Remonta a 1366 a
presença de «homens da pobre vida» que integraram o mosteiro ou convento de
Santo Antão de Vale de Infante, ou Vale de Lázaro da Serra de Ossa, situado
entre Estremoz e Redondo. Em 1834, no âmbito da Reforma Geral Eclesiástica
empreendida pelo ministro Joaquim António de Aguiar, foi extinta a sua função,
sendo os seus bens e documentos incorporados na Fazenda Nacional. Hoje em dia,
encontra-se o mesmo atribuído à hotelaria.
1
A Deos Casa mil
vezes bendita
Para os
louvores de Deos destinada
Agora ficas porfanada,
Gemendo triste e afflita;
Os Ceos e a terra tudo grita,
Lamento o vosso mal;
Desgraçado Portugal!
Que tanto falavas de França,
De lá te veio a herança, outro
Agora estaes que tal.
2
O' Paulo Ermita
Santo!
Os vossos filhos muito amados
D'aqui os mandão desterrados,
Não sei quem tem poder tanto:
As nossas lagrimas imaginai
Lembrai-vos que sois o pai
D'estes filhos desgraçados,
Pondo em nós vossos cuidados
A vossa benção nos deitai;
.........................................
3
A Deos pai de
penitencia,
Exemplo de Santidade,
Só uma grande impiedade
Veio fazer nossa ausencia:
Mas sofrer com paciencia
He a nossa obrigação;
Ahi fica Santo Antão,
Nosso fiel companheiro,
Pois morrer neste Mosteiro
Sempre foi nossa tenção.
4
A Deos
convento, e a Deos Serra
Daqui nos mandão sahir;
Mas é preciso advertir
Que quem manda tambem erra;
He mais vil que o po da terra
Quem afflige a humanidade,
He custoso na verdade
Soffrer tanta tirania:
Quem faz uma tal avaria
Deos tenha dele piedade.
5
A Deos ó restos
mortaes,
Que jazeis nas sepulturas,
As vossas penitencias duras
Nos lembrarão cada vez mais:
Vós outros ahi ficaes,
Ah dos homens esquecidos!
Nós já vamos convencidos
Por uma razão natural
Que não sabemos porque mal
Somos tão affligidos.
6
A Deos meu
habito sagrado,
Meu constante companheiro,
Antes eu morresse primeiro
Do que vêrte abandonado:
Se te deixo sou obrigado
Até com pena de morte
A poder de força e lei forte
Conquistas nações inteiras;
Mas quem pizou nossas bandeiras
Em si mesmo dêo mortal golpe.
7
Ha mil e
quinhentos anos
Que á na Serra monges devotos,
Que offerecem a Deos seus votos,
E seus corações humanos:
Até filhos de Reis Sob'ranos,
Aqui têem professado;
Lá nesse tempo passado
Portugal teve brazão:
Mas em pontos de Relígião
Vai estando isto acabado.
8
Os altos Juizos
ce Deos
Não se podem compreeder,
Nem tão pouco conhecer
Quaes são os destinos seus,
Aonde iremos Irmãos meus,
Se o mundo já não é nosso?
O meu dote e mais o vosso,
Que nos derão nossos pais,
Agora são bem nacionais,
Entender isto não posso.
9
A Deos campos,
e a Deos flores
A Deos feras, e passarinhos;
Mesmo ahi nos vossos ninhos
Cantai a Deos louvores;
Só vós sois merecedores
De gozardes a solidão;
Ahi fica o gato, e o cão
Um a ladrar, e outro a miar,
Por seus donos a chamar,
Sem terem quem lhes dê pão.
10
A Deos todos os
vizinhos
Da aldêa e mais dos montes
A Deos rios, e a Deos fontes
E seus inocentes peixinhos;
A Deos irmãos pobrezinhos
Que esmolas andais pedindo:
Nós todos vamos sentindo
Esta grande trovoada,
Desta não escapa nada
A todos vai affligindo.
11
A Deos moços do
Convento,
Armador, e Sacristão,
Lavadeira, e Ortelão
Tudo aqui tinha sustento;
Uns lá fora, outros cá dentro,
Tudo aqui ganhava pão
Carpinteiro, e Abegão
Alfaiate, e Cardador;
Ganadeiro, e trabalhador,
Sapateiro, e tecelão.
12
O Homem que fôr cordato
No seu modo de pensar
Ja mais pode louvar
As acções d'um ingrato:
O qual nunca se vio farto
De affligir o seu semilhante:
Mas o tempo inconstante
Faz volta ao mundo dár.
Mas a casa de Deos atacar
Só o faz um protestante.
13
O' Filho do
grande Henrique,
Vê como está transtornada
A grande obra consumada
Lá nesse campo d'Orique:
Deos queira que por aqui fique
O que entre nós se tem visto;
Portugal, vêr lá se é isto
A fé pura conservar,
Vê se é ou não atacar
A Religião de Jesus Cristo.
14
Irmãos é chegada a hora
De deixar-mos o Deserto,
Por isso que um Real decreto
Nos manda para fora;
Vamos já sem demora
Despedir-mo-nos da Serra d'Ossa
Não sei como á quem possa
Cahir em certos enganos
No fim de 1500 anos
Esta casa não é nossa.
15
Geme triste e dolorosa
Pois nesta montanha fragosa,
Ahi ficas despresada:
Tu em nada és culpada
Do castigo que te dão
Até corta o coração
O rigor dos teus tormentos,
Pois ficas sem sacramentos,
Aqui nesta solidão.
16
O' Filhos da
Santa Igreja!
Chorai sem consolação
Com lagrimas no coração
Para que todo o mundo veja;
Pois uma mão bemfaseja
Nunca dá golpe mortal;
Quem se emprega em fazer mal
De continuo anda pensando
Que háde poder ser quando
Contra a ordem natural.
17
A Deos bella
livraria,
Nós sempre confirmaremos
Que é a ti que devemos
A nossa sabedoria:
Chegou enfim o triste-dia
De te vêr-mos despresada
Tanta cabeça mitrada
Recebeo tuas lições
E pelas tuas instrucções
Sempre a fé foi exaltada.
18
Levantai-vos tristes mortos,
Lá dessa antiguidade,
Reconhecer a authoridade
Que dispensa nossos votos:
Já estão abertos os portos
Da mais seria instituição,
De Roma o breve nos dão
As cruzes do nosso dinheiro,
Seja falso ou verdadeiro,
A nossa secularisação.
19
A Deos paineis
e pinturas
Dos nossos ante passados,
Vossos ossos estão guardados,
No centro das sepulturas;
Se os retratos e figuras
Ahi ficão no Claustro,
Forão filhos sem padrasto
Da nossa Religião,
De Antonio e João,
E mais de João de Castro.
20
Irmãos velhos e
doentes,
Quaes serão nossos cuidados!
Pois ficais desamparados
E talvez sem ter parentes:
Muitos homens estão contentes
De nós sermos infelizes,
Talvez que quebrem os narizes
Por fazer tão grande asneira,
Vão-se as folhas da palmeira
Mas lá ficam as raizes.
21
Por onde havemos de sahir
E por onde entramos a rir
Cheios da maior alegria;
Cada um de nós trazia
Uma somma avantajada,
Agora não levamos nada
Vamos pobres como Jó;
E não á quem tenha dó
De fazer gente desgraçada!
22
A Deos torres,
e a Deos sinos
Descansai já de tocar,
Pois não tendes por quem chamar
Para os Officios Divinos:
O som de vossos metaes finos
Nos davão muita alegria,
Fosse de noite ou de dia,
Justos ou pecadores,
Todos hiamos dar louvores,
A Deos e á Virgem Maria.
A Deos geraes,
e reitores,
A Deos mestres e jubilados,
A Deos todos os perlados
Presidentes e pregadores:
Coristas, e confessores,
Irmãos leigos e porteiro,
A Deos Cruzes do dinheiro,
Que nos derão nossos pais
Venhão os bens nacionais
Tomar posse do Mosteiro.
24
Cada um de nós
póde ir
Para onde lhes convier,
E quem trabalhar não poder
Esmolas deve pedir:
Mas sempre deve seguir
A lei do Crucificado;
O homem bem comportado
Sempre tem aceitação
E é digno de estimação
Sendo pobre mas honrado.
Absolutamente fantástico....grande relíquia...
ResponderEliminarZé Calado