quinta-feira, 16 de abril de 2015

Décimas que fez um Frade do Convento da Serra D'Ossa, na ocasião em que foi expulso

Decimas Que Fez um Frade do Convento da Serra D’Ossa na Ocasião em Que Foi Expulso
 
 
 
Remonta a 1366 a presença de «homens da pobre vida» que integraram o mosteiro ou convento de Santo Antão de Vale de Infante, ou Vale de Lázaro da Serra de Ossa, situado entre Estremoz e Redondo. Em 1834, no âmbito da Reforma Geral Eclesiástica empreendida pelo ministro Joaquim António de Aguiar, foi extinta a sua função, sendo os seus bens e documentos incorporados na Fazenda Nacional. Hoje em dia, encontra-se o mesmo atribuído à hotelaria.
 
 

1
A Deos Casa mil vezes bendita
Para os louvores de Deos destinada
Agora ficas porfanada,
Gemendo triste e afflita;
Os Ceos e a terra tudo grita,
Lamento o vosso mal;
Desgraçado Portugal!
Que tanto falavas de França,
De lá te veio a herança, outro
Agora estaes que tal.
2
O' Paulo Ermita Santo!

Os vossos filhos muito amados
 
D'aqui os mandão desterrados,
Não sei quem tem poder tanto:
As nossas lagrimas imaginai
Lembrai-vos que sois o pai
D'estes filhos desgraçados,
Pondo em nós vossos cuidados
A vossa benção nos deitai;
.........................................
3
A Deos pai de penitencia,

Exemplo de Santidade,
 
Só uma grande impiedade
Veio fazer nossa ausencia:
Mas sofrer com paciencia
He a nossa obrigação;
Ahi fica Santo Antão,
Nosso fiel companheiro,
Pois morrer neste Mosteiro
Sempre foi nossa tenção.
4
A Deos convento, e a Deos Serra

Daqui nos mandão sahir;
 
Mas é preciso advertir
Que quem manda tambem erra;
He mais vil que o po da terra
Quem afflige a humanidade,
He custoso na verdade
Soffrer tanta tirania:
Quem faz uma tal avaria
Deos tenha dele piedade.
5
A Deos ó restos mortaes,

Que jazeis nas sepulturas,
 
As vossas penitencias duras
Nos lembrarão cada vez mais:
Vós outros ahi ficaes,
Ah dos homens esquecidos!
Nós já vamos convencidos
Por uma razão natural
Que não sabemos porque mal
Somos tão affligidos.
6
A Deos meu habito sagrado,

Meu constante companheiro,
 
Antes eu morresse primeiro
Do que vêrte abandonado:
Se te deixo sou obrigado
Até com pena de morte
A poder de força e lei forte
Conquistas nações inteiras;
Mas quem pizou nossas bandeiras
Em si mesmo dêo mortal golpe.
7
Ha mil e quinhentos anos

Que á na Serra monges devotos,
 
Que offerecem a Deos seus votos,
E seus corações humanos:
Até filhos de Reis Sob'ranos,
Aqui têem professado;
Lá nesse tempo passado
Portugal teve brazão:
Mas em pontos de Relígião
Vai estando isto acabado.
8
Os altos Juizos ce Deos

Não se podem compreeder,
 
Nem tão pouco conhecer
Quaes são os destinos seus,
Aonde iremos Irmãos meus,
Se o mundo já não é nosso?
O meu dote e mais o vosso,
Que nos derão nossos pais,
Agora são bem nacionais,
Entender isto não posso. 
9
A Deos campos, e a Deos flores

A Deos feras, e passarinhos;
 
Mesmo ahi nos vossos ninhos
Cantai a Deos louvores;
Só vós sois merecedores 
De gozardes a solidão;
Ahi fica o gato, e o cão
Um a ladrar, e outro a miar,
Por seus donos a chamar,
Sem terem quem lhes dê pão.
10
A Deos todos os vizinhos

Da aldêa e mais dos montes
 
A Deos rios, e a Deos fontes
E seus inocentes peixinhos;
A Deos irmãos pobrezinhos
Que esmolas andais pedindo:
Nós todos vamos sentindo
Esta grande trovoada,
Desta não escapa nada
A todos vai affligindo.
11
A Deos moços do Convento,

Armador, e Sacristão,
 
Lavadeira, e Ortelão
Tudo aqui tinha sustento;
Uns lá fora, outros cá dentro,
Tudo aqui ganhava pão
Carpinteiro, e Abegão
Alfaiate, e Cardador;
Ganadeiro, e trabalhador,
Sapateiro, e tecelão.
12
O Homem que fôr cordato
No seu modo de pensar
Ja mais pode louvar
As acções d'um ingrato:
O qual nunca se vio farto
De affligir o seu semilhante:
Mas o tempo inconstante
Faz volta ao mundo dár.
Mas a casa de Deos atacar
Só o faz um protestante.
 
 
13
O' Filho do grande Henrique,
Vê como está transtornada
 
A grande obra consumada
Lá nesse campo d'Orique:
Deos queira que por aqui fique
O que entre nós se tem visto;
Portugal, vêr lá se é isto
A fé pura conservar,
Vê se é ou não atacar
A Religião de Jesus Cristo.
14
Irmãos é chegada a hora
De deixar-mos o Deserto,
Por isso que um Real decreto
Nos manda para fora;
Vamos já sem demora
Despedir-mo-nos da Serra d'Ossa
Não sei como á quem possa
Cahir em certos enganos
No fim de 1500 anos
Esta casa não é nossa.
15
 A Deos Igreja sagrada,

Geme triste e dolorosa
 
Pois nesta montanha fragosa,
Ahi ficas despresada:
Tu em nada és culpada
Do castigo que te dão
Até corta o coração
O rigor dos teus tormentos,
Pois ficas sem sacramentos,
Aqui nesta solidão.
16
O' Filhos da Santa Igreja!

Chorai sem consolação
 
Com lagrimas no coração
Para que todo o mundo veja;
Pois uma mão bemfaseja
Nunca dá golpe mortal;
Quem se emprega em fazer mal
De continuo anda pensando
Que háde poder ser quando
Contra a ordem natural.
17
A Deos bella livraria,

Nós sempre confirmaremos
 
Que é a ti que devemos
A nossa sabedoria:
Chegou enfim o triste-dia
De te vêr-mos despresada
Tanta cabeça mitrada
Recebeo tuas lições
E pelas tuas instrucções
Sempre a fé foi exaltada.
18
Levantai-vos tristes mortos,
Lá dessa antiguidade,
Reconhecer a authoridade
Que dispensa nossos votos:
Já estão abertos os portos
Da mais seria instituição,
De Roma o breve nos dão
As cruzes do nosso dinheiro,
Seja falso ou verdadeiro,
A nossa secularisação.
19
A Deos paineis e pinturas

Dos nossos ante passados,
 
Vossos ossos estão guardados,
No centro das sepulturas;
Se os retratos e figuras
Ahi ficão no Claustro,
Forão filhos sem padrasto
Da nossa Religião,
De Antonio e João,
E mais de João de Castro.
20
Irmãos velhos e doentes,

Quaes serão nossos cuidados!
 
Pois ficais desamparados
E talvez sem ter parentes:
Muitos homens estão contentes
De nós sermos infelizes,
Talvez que quebrem os narizes
Por fazer tão grande asneira,
Vão-se as folhas da palmeira
Mas lá ficam as raizes.
21
 Aqui está a portaria

Por onde havemos de sahir
 
E por onde entramos a rir
Cheios da maior alegria;
Cada um de nós trazia
Uma somma avantajada,
Agora não levamos nada
Vamos pobres como Jó;
E não á quem tenha dó
De fazer gente desgraçada!
22
A Deos torres, e a Deos sinos

Descansai já de tocar,
 
Pois não tendes por quem chamar
Para os Officios Divinos:
O som de vossos metaes finos
Nos davão muita alegria,
Fosse de noite ou de dia,
Justos ou pecadores,
Todos hiamos dar louvores,
A Deos e á Virgem Maria.
 23
A Deos geraes, e reitores,

A Deos mestres e jubilados,
 
A Deos todos os perlados
Presidentes e pregadores:
Coristas, e confessores,
Irmãos leigos e porteiro,
A Deos Cruzes do dinheiro,
Que nos derão nossos pais
Venhão os bens nacionais
Tomar posse do Mosteiro.
24
Cada um de nós póde ir

Para onde lhes convier,
 
E quem trabalhar não poder
Esmolas deve pedir:
Mas sempre deve seguir
A lei do Crucificado;
O homem bem comportado
Sempre tem aceitação
E é digno de estimação
Sendo pobre mas honrado.

 

 
 
 
 
 

 

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