domingo, 26 de março de 2017

Festividades religiosas da Minha Terra


Festividades religiosas da Minha Terra
 
 


Em tempos que lá vão, e talvez mesmo nos de hoje, sei lá… a vida coletiva de Redondo fez-se e desenvolveu-se em volta da Igrejas.

Perdida, embora, a mística devoção dos tempos idos, o povo, por hábito de séculos, não deixou o convívio dos seus santos, aconchegando-se a eles nas horas festivas, procurando-os com promessas e rezas nos momentos de aflição.

E em toda a roda do ano, desde as imagens do lar, nos oratório floridos, até aos altares, nas igrejas, era um intenso fervor, o deste povo, procurando obter nas festas votivas o máximo brilho, e o esplendor mais pitoresco.

Havia lindas festas religiosas na minha terra…

Lindas pelo seu aspecto exterior, que outro não viam, nem, compreendiam os meus olhos de menino abrindo-se curiosos para a vida, e curiosamente olhando para ela.


Na minha terra, outrora, eram as procissões grandes e belos quadros, pelo colorido e pela imponência.

A procissão dos Passos era grandiosa, a gente grada da terra envergava uma opa, ou para levar um anjo, ou para levar o andor ás costas, ou para levar uma vara de mando.

Antes da procissão sair havia sermão.

O sermão exigia pregador de “trus” , porque no fim tinha que fazer uma peroração ardente e forte, finda a qual corria, no altar-mor, um pano, deixando ver num quadro grandioso, a imagem do Senhor dos Passos, toda envolvida de luzes e velas e de anjos que tinham nas mão os instrumentos da Paixão-cravos, esponjas, coroas de espinhos, etc.

Depois a procissão saia, entre massas compactas de povo, e na Praça dava-se o encontro, episódio que consistia em a Senhora de ao Pé da Cruz, acompanhada de S. João Evangelista, esperar a chegada do andor do Senhor dos Passos, e mal o avistavam, correr para ele.

 

E outras procissões havia, que me lembre, a de Domingo de Cinzas com muitos andores, e as que se faziam para pedir chuva, que metiam o poder do mundo de gente-

Durante o percurso de alguma procissões, pendiam nas janelas colchas do mais variado matiz e da mais preciosa lavra.


Grandes, eram as festas da Semana Santa, que na minha terra tinha todo o cenário e toda a carpintaria duma grande peça teatral.

Eram os Ramos, com as palmas e as cruzes de alecrim que o povo ia colocar nas searas.

Eram as Trevas, donde os rapazes vinham, à tardinha, tocando trancalhetas e matracas.

Eram as Igrejas todas abertas, muito bonitas, o ar cheirando a alecrim e rosmaninho, e na igreja da Saúde, as “beatas”, num coro de rótulas, cantando elegias místicas, uma das quais ainda me soa nos ouvidos como um cântico de saudade.

A noite, a procissão das Bandeiras, só com opas pretas, que à luz de lampiões velados visitavam as igrejas, ao som dum cantochão triste.

 

***E VINHA O GRANDE DIA***

A Sexta –feira da Paixão do Senhor. A procissão à noite é das fantasmagorias mais impressionantes que maus olhos têm visto, mesmo quando sonham.

O esquife de Deus vem rodeado de luzes.

Atrás, vestidas de negro, vão a imagem da Senhora de ao Pé da Cruz e S. João Evangelista.

Opas de todas as cores, tapando as cabeças, e as luzes veladas em papel.

Um cantochão, acompanhado de um barítono, fere a sonoridade da noite primaveril.

Por vezes o cantochão cala-se, e a procissão estaca.

A multidão que redemoinha aquieta-se como quem espera.

E de longe, vem uma voz de soprano cantando a Paixão do Senhor. É o “VOS, OMNES”, uma mulher vestida de preto com um véu branco, que traz nas mão a sagrada verónica.

Em determinados pontos a procissão pára, levantam o véu ao “Vos Omnes”, e ela que é sempre uma donzela, canta na quietude da noite, e no silêncio da multidão.

Mal acaba, soa, do outro lado, ao longe, uma matraca, e a procissão, entre luzes, murmúrios de rezas, e sussurros de povoléu que dispersa, para ir ao outro canto ouvir o “Vos Omnes”, segue o seu caminho ao som dos cânticos de três Marias que vão atrás do ataúde.

Ao recolher, a multidão enche a Igreja e lá em cima no Altar, à luz escassa de duas velas, os turíbulos enchem de incenso o túmulo de Cristo, e um padre reza singelamente os responsos.

E no meio do silêncio da Igreja cheia de gente e às escuras, mal o padre diz “Requiescat in Pace” sente-se o estampido seco da tampa do túmulo que cai, e a seguir, imediatamente, o “Vos Omnes” desfere, pela vez derradeira, o seu cântico de amor divinamente triste.

Depois é o sábado de aleluia.

As cortinas dos altares que se desceram, e um guizalhar fremente de campainhas e chocalhos.

 

Quinta Feira da Ascensão, singela, linda e pouca gente.

O povo, nesse dia, debanda logo de manhã para os campos.

E á igreja poucas pessoas vão.

No altar um só padre, o prior da freguesia com sua capa de asperges.

No coro, o órgão reboando uma melodia de suavidade pagã.

Soltam-se pela igreja andorinhas, que ao pescoço tem uma fitinha com um guizo.

Flores muitas flores pelos altares.


DOMINGOS ROSADO 1929
 
 
 
Procissão de Sexta Feira Santa
Em telas de Rembrandt, incendiada
Surge na noite a triste Procissão…
Passa num esquife, à luz dum clarão
 
O Cristo morto, a carne ensanguentada---
Num silêncio de noite amargurada
Canta uma voz de amor e de paixão
Voz que pergunta, cheia de aflição…
…Vede se há dor a esta comparada…
 
Respondem ais de agonia e mágoa…
A Virgem vai, aos olhos rasos de água,
Toda de negro atrás do ataúde…
Chamas ardem num fúnebre palor…
E a multidão sussurra num rumor…
Como as águas longínquas dum açude…
***1911***